sábado, 25 de maio de 2013

Vamos ver o mar


Vamos ver o mar


- Vamos, Fernando, vamos dar uma volta de barco.
- Agora? Eu tenho que terminar esse trabalho de química, meu sol.
- Oras, santa paciência, Nando, vamos logo. Você sempre aí com suas coisas. É livro para lá, caderno para cá e eu aqui sempre te esperando.
- Ai, ai , seu Hélio, você e suas crises de ciúmes.
- Não, não senhor. Quero apenas ficar um pouco com você, posso?
- Claro, meu nego. O quanto você quiser. Veja, termino esse parágrafo e já saio, tudo bem?
- Sim, enquanto você termina, eu vou ligando o motor do barco.
- Sim, senhor capitão.
- Palhaço!
O cotidiano de Fernando e Hélio era dividido por afazeres – Hélio cuidava da casa – e cabia a Fernando dedicar-se à pousada em Guarajuba. Não havia brigas, mas os ciúmes de Hélio apimentavam a relação. Os conflitos aumentavam quando Fernando passava os domingos em estudo, leitura e análises de animais marinhos, sua paixão.
O cotidiano às vezes mudava. Nesse dia havia o passeio de barco que raramente os dois faziam. Talvez pudesse ser uma oportunidade, uma forma dos dois estarem mais juntos. É necessário jogar-se ao mar para descubrir-se.
- Fernando, me diga uma coisa.
- Sim, se quiser duas…
- O que você pensa em fazer quando terminar a universidade?
- Ah – respondeu com ar de surpresa – ainda não sei Hélio. Talvez uma especialização em oceanografia. Gosto muito do mar, você sabe.
- Sei e isso me espanta.
O sorriso brotou no rosto de Fernando e Hélio sabia que a paixão pela biologia e pelo mar eram notáveis em seu companheiro.
- Veja, Nando, tenho que lhe confessar. Estou cansado de tudo.
- De tudo? De tudo o quê? – Enquanto Hélio guiava o barco, Fernando o abraçou por trás e as quatro mãos guiavam juntas o timão. E recostado no ombro de Hélio, Fernando perguntou: - cansado de mim, meu amado?
- Também – secamente respondeu Hélio – sempre estou ao seu lado, mas às vezes é como se eu não estivesse. Você me olha e sinto como que sou um fantasma. Como se eu fosse invisível.
- Ora, meu querido, não fale assim. Não é verdade. Reconheço que algumas vezes sou displicente, mas, meu anjo, vou terminar o curso e me dedicarei a você.
- Não, Fernando, você seguirá seu caminho. Talvez encontre alguém a sua altura, né? Eu um reles pescador. Nascido e criado nessa praia. Acostumado a fazer redes, pescar, vender peixes na peixaria de meu pai. Não tenho vocação para estudo. Não sirvo para estar ao seu lado.
- Não é isso, meu querido, você é o homem mais inteligente que conheci. Veja esse mar. Você o domina. Você é filho dele. Tudo em sua vida, amado Hélio, é força, vitalidade. Às vezes tão intempestivo como o mar.
- Mas não tenho sua atenção. Queria ser um daqueles corais que você estuda todos os dias.
- Você é mais que eles, meu Deus iluminado. Sua existência me faz feliz.
- Queria acreditar, Nando… Vamos nadar. Vamos até aquele atol, lembra? Ficávamos ali até a maré encher. Depois subíamos no barco e observávamos as águas cobrirem, aos poucos, o minúsculo atol.
- Sim, eu lembro, vamos…
Os dois desceram e nadaram até o atol onde abraços e carícias se mesclavam em mergulhos juntos a cardumes coloridos. Às vezes se deitavam, no atol, de braços abertos e cabeças encostadas, eram como uma grande estrela do mar.
- Nando, me promete uma coisa?
- Se eu puder, Hélio, sim, prometo. Diga.
- Deixa tudo e se dedica a mim.
O sorriso espantoso tomou a face de Fernando.
- Como?! Não posso, meu filho do mar. Você sabe que é um projeto de vida. Vamos usar minha formação para fazer da nossa pousada um espaço para o ecoturismo, por favor, Hélio, não me peça isso.
- Entendo. Seus planos são sempre prioridades para você.
- Ai, meu querido sol, como é difícil você entender, não?
- Você, Nando, que é…
- É… diga, vamos…
- Esquece. Vou no barco pegar uma coisa e volto.
- Sim, espero. E esfria a cabeça.
Helio saiu em direção ao barco como quem não voltava e Fernando gritou:
- Hei, meu amor, você pode trazer o filtro solar. Hei, veja, te amo.
O sorriso de Hélio pareceu um sim, uma cumplicidade que Fernando esperava que seu amado pudesse ter, mas foi engano. O barulho do motor do barco indicava a partida sem retorno e sem rumo. Fernando alça a voz:
- Hélio, o que você está fazendo?
O barco se afastava pouco a pouco do atol e o ponto vermelho-amarelo dos corais se via mais distante. Hélio e o barco desapareciam lentamente na linha do horizonte. Fernando sentado via entre as lágrimas o esvanecer da fumaça desprendida do motor… o pôr-do-sol foi solitário naquele dia.

Medellín 20 de maio de 2013.



Um comentário:

  1. Histórias assim acontecem todo tempo no tempo real. Ele ou você, alguém sempre se vai. O importante é saber que alguém sempre chegará outra vez!

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