Vamos ver o mar
- Vamos,
Fernando, vamos dar uma volta de barco.
- Agora? Eu
tenho que terminar esse trabalho de química, meu sol.
- Oras, santa
paciência, Nando, vamos logo. Você sempre aí com suas coisas. É livro para lá,
caderno para cá e eu aqui sempre te esperando.
- Ai, ai , seu
Hélio, você e suas crises de ciúmes.
- Não, não
senhor. Quero apenas ficar um pouco com você, posso?
- Claro, meu
nego. O quanto você quiser. Veja, termino esse parágrafo e já saio, tudo bem?
- Sim, enquanto
você termina, eu vou ligando o motor do barco.
- Sim, senhor
capitão.
- Palhaço!
O cotidiano de Fernando e Hélio era dividido por afazeres – Hélio cuidava
da casa – e cabia a Fernando dedicar-se à pousada em Guarajuba. Não havia
brigas, mas os ciúmes de Hélio apimentavam a relação. Os conflitos aumentavam
quando Fernando passava os domingos em estudo, leitura e análises de animais
marinhos, sua paixão.
O cotidiano às vezes mudava. Nesse dia havia o passeio de barco que
raramente os dois faziam. Talvez pudesse ser uma oportunidade, uma forma dos
dois estarem mais juntos. É necessário jogar-se ao mar para descubrir-se.
- Fernando, me
diga uma coisa.
- Sim, se quiser
duas…
- O que você
pensa em fazer quando terminar a universidade?
- Ah – respondeu
com ar de surpresa – ainda não sei Hélio. Talvez uma especialização em
oceanografia. Gosto muito do mar, você sabe.
- Sei e isso me
espanta.
O sorriso brotou no rosto de Fernando e Hélio sabia que a paixão
pela biologia e pelo mar eram notáveis em seu companheiro.
- Veja, Nando,
tenho que lhe confessar. Estou cansado de tudo.
- De tudo? De
tudo o quê? – Enquanto Hélio guiava o barco, Fernando o abraçou por trás e as
quatro mãos guiavam juntas o timão. E recostado no ombro de Hélio, Fernando
perguntou: - cansado de mim, meu amado?
- Também –
secamente respondeu Hélio – sempre estou ao seu lado, mas às vezes é como se eu
não estivesse. Você me olha e sinto como que sou um fantasma. Como se eu fosse
invisível.
- Ora, meu
querido, não fale assim. Não é verdade. Reconheço que algumas vezes sou
displicente, mas, meu anjo, vou terminar o curso e me dedicarei a você.
- Não, Fernando,
você seguirá seu caminho. Talvez encontre alguém a sua altura, né? Eu um reles
pescador. Nascido e criado nessa praia. Acostumado a fazer redes, pescar,
vender peixes na peixaria de meu pai. Não tenho vocação para estudo. Não sirvo
para estar ao seu lado.
- Não é isso,
meu querido, você é o homem mais inteligente que conheci. Veja esse mar. Você o
domina. Você é filho dele. Tudo em sua vida, amado Hélio, é força, vitalidade.
Às vezes tão intempestivo como o mar.
- Mas não tenho
sua atenção. Queria ser um daqueles corais que você estuda todos os dias.
- Você é mais
que eles, meu Deus iluminado. Sua existência me faz feliz.
- Queria
acreditar, Nando… Vamos nadar. Vamos até aquele atol, lembra? Ficávamos ali até
a maré encher. Depois subíamos no barco e observávamos as águas cobrirem, aos
poucos, o minúsculo atol.
- Sim, eu
lembro, vamos…
Os dois desceram
e nadaram até o atol onde abraços e carícias se mesclavam em mergulhos juntos a
cardumes coloridos. Às vezes se deitavam, no atol, de braços abertos e cabeças
encostadas, eram como uma grande estrela do mar.
- Nando, me
promete uma coisa?
- Se eu puder,
Hélio, sim, prometo. Diga.
- Deixa tudo e
se dedica a mim.
O sorriso espantoso tomou a face de Fernando.
- Como?! Não
posso, meu filho do mar. Você sabe que é um projeto de vida. Vamos usar minha
formação para fazer da nossa pousada um espaço para o ecoturismo, por favor, Hélio,
não me peça isso.
- Entendo. Seus
planos são sempre prioridades para você.
- Ai, meu
querido sol, como é difícil você entender, não?
- Você, Nando,
que é…
- É… diga,
vamos…
- Esquece. Vou
no barco pegar uma coisa e volto.
- Sim, espero. E
esfria a cabeça.
Helio saiu em direção ao barco como quem não voltava e Fernando
gritou:
- Hei, meu amor,
você pode trazer o filtro solar. Hei, veja, te amo.
O sorriso de Hélio pareceu um sim, uma cumplicidade que Fernando
esperava que seu amado pudesse ter, mas foi engano. O barulho do motor do barco
indicava a partida sem retorno e sem rumo. Fernando alça a voz:
- Hélio, o que
você está fazendo?
O barco se afastava pouco a pouco do atol e o ponto vermelho-amarelo
dos corais se via mais distante. Hélio e o barco desapareciam lentamente na
linha do horizonte. Fernando sentado via entre as lágrimas o esvanecer da
fumaça desprendida do motor… o pôr-do-sol foi solitário naquele dia.
Medellín
20 de maio de 2013.