segunda-feira, 21 de abril de 2014

Caminhar por Colômbia

Santa Fé de Antioquia, foto Denilson, acervo Pessoal
Há um pouco de interiorano em mim. Por mais que viva na cidade grande, a simplicidade, a amizade, o histórico e o saboroso ambiente rural me atrai. Sou como aqueles que, ainda que tenha nascido na capital, no meu caso Salvador na Bahia, sido criado em Camaçari, na região metropolitana baiana e escolhido Feira de Santana — o entre-lugar do sertão — para viver, bate sempre uma vontade danada de conhecer as cidade pequeninas e acolhedoras do país.

Verdade, que neste momento não estou no Brasil. Encontro-me na Colômbia, em Medellín. Neste processo acadêmico que estou imerso, nesta escrita de tese prazerosa e angustiante, às vezes, exige parar um pouco e caminhar. Conhecer gente nova, gente boa, gente alegre, gente que na simplicidade da vida faz o outro sentir-se bem. Foi com essa ideia que saí de casa nesta semana, por um dia e não mais que isto, para tentar encontrar um lugar que me fizesse relembrar minhas raízes, já que minha mãe veio de Paripiranga no interior da Bahia e
Artesanato indígena, Santa Fé de Antioquia, foto: Denilson, acervo pessoal
sempre tivemos uma nostalgia matuta.

Mais ou menos a duas horas de distância de Medellín está a cidade de Santa Fé de Antioquia. Pequena, com casas coloniais e com uma população orgulhosamente católica. Como em toda cidade latino-americana, há os lugares de histórias, museus, a casa do fundador da cidade, a primeira casa deste ou daquela que viveu aqui nos idos de tal e tal. Quando vejo isso — vale a pena dizer que ainda que eu não seja historiador, mas seja sujeito da história — me pergunto: e os povos autóctones que estavam aqui? E suas malocas, tabas que foram construídas? Creio que foram catequizados ou dizimados, assim foi o destino dos nossos antepassados, os primeiros habitantes daqui. Além disso, me vem à mente a dúvida do que aconteceu com o primeiro negro que chegou sob a condição de escravo para fazer serviço que europeu não queria fazer e depois nós, os negros ou indígenas é que somos os preguiçosos.

Barraca de doces e frutas, Santa Fe de Antioquia, foto: Denilson, acervo pessoal
Mais além dessa história contada sob o ponto de vista do vencedor, Santa Fe de Antioquia é bela. Com arquitetura colonial espanhola, com gente sorridente e o melhor, com comida e sobremesas excelentes, como em muitos lugares da Colômbia querida. Quando chegamos à cidade, ainda na rodovia, pensamos não encontrar muita coisa, mas ao subir umas de suas ruas, que ainda guarda o pavimento colonial, creio, encontramos um centro histórico que nos faz recordar o Pelourinho, em Salvador, o Recife antigo em Recife, Porto Seguro, na Bahia, Paraty, no Rio de Janeiro e tantos outros lugares históricos.

Procissão de Sexta da paixão, Santa Fe de Antioquia, foto: Denilson, acervo pessoal


Depois de um dia de caminhada, observação da fé, demonstrada na procissão de sexta-feira da paixão. De comer algumas guloseimas, regressei. E que sentimento trouxe? O de que caminhar é preciso, conhecer e viver também. Um dia que saímos da rotina, da escrita solitária de uma tese doutoral, ajuda-nos a oxigenar a mente e dar firmeza na caneta para seguir no trabalho.





Medellín, 19 de abril de 2014

domingo, 13 de abril de 2014

E viver, o que é mesmo?

E viver, o que é mesmo?

Sim, o que é viver? Nesses dias turbulentos o poema de Carlos Drummond de Andrade está mais atual que nunca e nos ajuda a compreender nosso momento:

“Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram. 
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco”.

Duro é ver que em nossos dias, a vida se tornou inútil, sem valor algum. Desesperadamente perdemos a beleza, a vitalidade e o prazer de viver. De todos os lados podemos ver culto ao ódio. Por que nos tornamos tão intolerantes? Talvez não seja surpresa, pois a vida é isso. Há dias de paz e de guerra. O que não vale a pena é perdermos a nossa capacidade de leitura da vida, de compreensão profunda de sua tessitura. Viver é lutar, é ultrapassar as barreiras que insistem em nos calar, em nos oprimir, em nos proibir de ser o que somos. E quando nos impõe uma ordem, quando nos oprime, se instaura a via exclusiva de produção de texto e sentido. Daí nos cabe desconstruir a leitura única do mundo.

Não negamos que às vezes nos assusta ver como o outro trata seu par. Mas partindo do pressuposto que a natureza humana é dialética, complexa e infinita, então nos damos conta que não são surpreendentes atitudes que violam o direito à vida. Mas isso não significa que somos complacentes com a violência. De maneira nenhuma. A violência é histórica e tem que acabar. Mas, como na sociedade existe o conflito, o que é normal, esse nos ajuda a crescermos e sermos mais altruístas.  O desafio é encarar o “outro” como aquele que é “eu”. Eis a estratégia para ler a vida.

Mas que posição devemos tomar? Cremos que a resposta possível é ter uma atitude empática, uma maneira de encarar a vida como um texto inacabado. Nesse contexto, o eu/outro é o leitor que produz a escritura, compartilha vozes, interpretação e produção de sentido no tecer da vida. Se observarmos bem, a cada momento em nosso entorno nos enfrentamos com atitudes racistas, homofóbica, discriminação de todo tipo, misoginia e todas as violências correlatas. É necessário, mais do que nunca encarar a vida como desafio real e como possibilidade de leituras pluritextuais desmistificadas. 

Quem sabe o poeta Drummond no poema “Os ombros suportam o mundo”, que começamos essa reflexão, já nos tenha dado uma pista:


“Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação”.