quarta-feira, 2 de maio de 2012

O cosmopolitismo do negro pobre e excluído



Essa semana, precisamente no dia 26 de abril de 2012, no auditório da Universidad los Andes em Bogotá, eu assisti a uma palestra – daquelas que saímos extasiados, transcendentemente plenos de gozo – do professor e crítico literário Silviano Santiago. E esse evento me fez pensar o nosso lugar, nossa luta como cosmopolitas negros e pobres.

O professor, com maestria, expôs sobre questões do narrador moderno e pós-moderno na literatura. Foi de extrema precisão, com uma linguagem fluída e coesa que escutamos, sobretudo, participando dos aportes teóricos à cultura latino-americana.

Diante de tudo que vi e ouvi, algo me chamou a atenção. Ao fazer referência ao seu livro O cosmopolitismo do pobre o professor Silviano Santiago – para explicar o conceito de cosmopolitismo e sua não opção por globalização por ser um conceito econômico e desgastado – exemplificou seu pensamento, citando Jean Charles de Menezes que, sendo oriundo de família não abastada, morre num metrô de Londres como vítima de policiais despreparados. Assim, isto seria um exemplo de um pobre cosmopolita, ou seja, o cosmopolitismo está ligado à ação de ser pobre e ir além de suas fronteiras geográficas. Por outra parte, o professor se tomou como exemplo e disse que também participava desse cosmopolitismo, isto é, ele seria um pobre cosmopolita, por ter vindo de família carente e alcançar um posto na intelectualidade brasileira.

A partir disso me ponho a pensar, pois nessa semana o Supremo Tribunal Federal Brasileiro (STF) julgou a constitucionalidade das cotas. Isso que para nós, negros, negras vindos da periferia não se constitui nada mais que uma reparação, implementação de uma justiça social.  Ademais, penso também no cosmopolitismo do negro brasileiro. Penso em conceição Evaristo, Landê Onawale, Cuti entre outros. E para ser mais preciso, cito Abdias do Nascimento que chegou a ser professor em uma Universidade nos Estados Unidos, como também o foi Milton Santos, o geógrafo. Estes que saíram do seio de famílias excluídas e alijados do poder econômico, sem ter, muitas vezes, o mínimo para sobreviver, foram e são exemplos de cosmopolitismo para um povo que ainda sofre a discriminação em sua forma mais velada.

Além do que temos dito até aqui, ocupar os espaços do saber, do poder, da cultura e da política é direito também do povo negro. Vivemos numa sociedade que se diz agregadora, mas se transmuta, isto é, se camufla, melhor dito, e produz uma exclusão velada, cínica. Por isso, cabe a nós (negões e negonas) desde nossos espaços de lutas, mostrar, ocupar e socializar de forma popular e democrática  o acesso e permanência à educação, à saúde, à cultura , ao poder, ou seja, todas as instância da vida.

Nesses espaços de cosmopolitismo, também tenho minha voz, minha vez, mas ser negro, da periferia de Camaçari, estar em uma universidade do estrangeiro estudando não representa nada, não vale à pena se isso não for regra para todos e todas negras e negros. Ser cosmopolita negro e pobre é ter compromisso com a intelectualidade orgânica, – lembrando nosso Paulo Freire –, é pensar, é agir, é ter pacto, sobretudo com a transformação do social do povo negro.

Em suma, estamos legitimando nossos espaços na sociedade. As cotas, não é o fim é um meio. Elas serão necessárias até que todos os jovens negros possam ser também, aqui acrescento, cosmopolitas e transformar a comunidade em que estão inseridos, isto é, seu lugar.

(Escrito em Pereira, Colômbia, maio de 2012)