Não é porque eu gosto de Literatura e faça dela uma
cachaça diária. Não é porque eu me dedico à leitura que escrevo isso. Escrevo porque
quero viver, compartilhar e dividir com minhas irmãs e irmãos que são vítimas
da opressão. Esse fato de estar do lado do oprimido eu aprendi desde cedo.
Exemplos não me faltam, haja vista Dona Maria, minha mãe, que ficou viúva,
vendeu mingau para operários do Polo Petroquímico de Camaçari, mas não deu
nenhum de seus filhos. Esse é o exemplo maior de ser mulher, negra, pobre e
batalhadora.
No entanto, escrevo essas linhas, tímidas, sem
soberba, porque um relato me chamou atenção. Essa inquietude foi o fato
ocorrido com a colega, Dayse Sacramento que relata em uma carta, divulgada
pelas redes sociais, seu drama de ser acuada, desrespeitada e agredida
moralmente por integrantes, homens, negros do bloco afro Ilê Aiyê, alegando que
ela usava “tipo de roupa indecente”.
Quando li sua carta me pus a pensar no poema de
Solano que segue:
Poema à mulher Negra
Ela é negra – que graça esplêndida
no seu colorido.
Seus olhos – magnéticos no seu puro sentido!
Sua voz – é um lundu tocado à madrugada!
Seu corpo – ó grande escultura
Seios estéticos em formas provocantes!
Sua alma – ó céus! – como expressar-me?
é grande com o Nilo
é quente como o sol
é boa como o amor!…
Quando ela passa – ó artes –
Eu me inspiro
Pois seu hálito é bom e prazenteiro…
Seu andar – caramba! – é um bailado.
Seus pés e suas mãos
Combinam com a cabeça
Como as estrofes que formam este poema…
(Solano Trindade,O poeta do povo, São Paulo: Ediouro, p.51, 2008)
Pensei nesse
poema pela densidade, fluidez de imagens e beleza agregadas à mulher negra.
Realmente, os companheiros homens, negros e pertencentes à diretoria do bloco
Ilê Aiyê talvez não conheçam essa ode às pretas do nosso país.
A agressão
sofrida por Dayse devido à reforma de sua roupa foi, na mentalidade atrasada e
sexista daqueles homens era “uma ofensa à dignidade do ser homem, macho, de
educação falocêntrica”. Como se o corpo da mulher, em especial a mulher negra,
precisasse de permissão do elemento masculino para ser delineado e bailado,
sintonizadas mãos, pernas e braços (De propósito, concordo nominalmente com o
feminino, quebrando a regra machista da gramática). Como se o corpo feminino precisasse
de ordem para se compor com as roupas que queira.
Essa idéia, senhores homens agressores de mulheres,
já está ultrapassada. O corpo da mulher é livre. O que é permitido é
poetizá-lo. O corpo é para deixar o outro sem palavras como afirma o poeta
Solano: “ó céus! – como expressar-me?”
O que aconteceu com Dayse Sacramento, acontece
com Marias, Joanas, Andreas todos os dias. O corpo feminino é depósito de
respeito e o que elas usam só diz respeito a elas. Precisamos iniciar, urgentemente
a política “da graça esplêndida”
solaniana.
Precisamos,
senhores homens, seguir esse exemplo de poeticidade de Solano Trindade! E,
finalmente, companheiras negras, vistam-se, denunciem as violências físicas e
morais. Seu corpo, preta, é arte, resistam à opressão.
Por fim, não
vale à pena calar, deixar para lá
algo tão sério como esse desrespeito à dignidade feminina. O ser mulher merece
respeito. Essa força feminina que é digna como foi minha mãe, como são minhas irmãs, amigas, Oxuns,
Oyás, as outras Iabas e como também o é Dayse Sacramento. Mulheres que são grandes como o Nilo, como a
vida!
Juro que volto a escrever depois sobre o que acabo de ler... Estou emocionadíssima... Obrigada!
ResponderExcluirconcordo
ExcluirOk, querida. Nossa missão é lutar contra toda forma de opressão e redescobrir a poesia da vida. Abraços!!
ResponderExcluirobrigado!2x
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