E viver, o que é mesmo?
Sim, o que é viver? Nesses dias turbulentos o poema de
Carlos Drummond de Andrade está mais atual que nunca e nos ajuda a compreender
nosso momento:
“Chega um tempo em que não se diz
mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco”.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco”.
Duro é ver que em nossos
dias, a vida se tornou inútil, sem valor algum. Desesperadamente perdemos a
beleza, a vitalidade e o prazer de viver. De todos os lados podemos ver culto
ao ódio. Por que nos tornamos tão intolerantes? Talvez não seja surpresa, pois
a vida é isso. Há dias de paz e de guerra. O que não vale a pena é perdermos a
nossa capacidade de leitura da vida, de compreensão profunda de sua tessitura.
Viver é lutar, é ultrapassar as barreiras que insistem em nos calar, em nos oprimir,
em nos proibir de ser o que somos. E quando nos impõe uma ordem, quando nos
oprime, se instaura a via exclusiva de produção de texto e sentido. Daí nos
cabe desconstruir a leitura única do mundo.
Não negamos que às vezes
nos assusta ver como o outro trata seu par. Mas partindo do pressuposto que a
natureza humana é dialética, complexa e infinita, então nos damos conta que não
são surpreendentes atitudes que violam o direito à vida. Mas isso não significa
que somos complacentes com a violência. De maneira nenhuma. A violência é
histórica e tem que acabar. Mas, como na sociedade existe o conflito, o que é
normal, esse nos ajuda a crescermos e sermos mais altruístas. O desafio é encarar o “outro” como aquele que
é “eu”. Eis a estratégia para ler a vida.
Mas que posição devemos
tomar? Cremos que a resposta possível é ter uma atitude empática, uma maneira
de encarar a vida como um texto inacabado. Nesse contexto, o eu/outro é o
leitor que produz a escritura, compartilha vozes, interpretação e produção de
sentido no tecer da vida. Se observarmos bem, a cada momento em nosso entorno
nos enfrentamos com atitudes racistas, homofóbica, discriminação de todo tipo,
misoginia e todas as violências correlatas. É necessário, mais do que nunca
encarar a vida como desafio real e como possibilidade de leituras pluritextuais desmistificadas.
Quem sabe o poeta Drummond no poema “Os ombros suportam o mundo”, que começamos
essa reflexão, já nos tenha dado uma pista:
“Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação”.
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